MOÇAMBIQUE - 1º Impacto

A chegada só pode ser um choque, para quem nunca esteve em África, e eu não fujo à regra… e qd digo África, não estou a incluir o Norte de África, mas sim centro para baixo. O degredo, o lixo, a qtd de pessoas a deambular na rua sem direcção nem destino aparente, os pedintes, e a degradação das habitações, para além de sermos nós a minoria racial, são sem dúvida questões com que me deparei relativamente a ter tomado uma boa opção ao aceitar vir para Moçambique. Com isto quero dizer que os primeiros tempos são violentos, isto porque revolta ver as condições em que as pessoas vivem, e ao mesmo tempo não poder fazer nada para ajudar.
A 1ª reacção é ter pena e compaixão para com os pedintes e vendedores ambulantes, mesmo estando eles sempre a chatear e a insistir para que lhes dêmos algo ou para lhes comprarmos algo. A técnica deles é: “Patrão, tô com fómi… tô desdas 8 sem comer… ajuda com algo pra comer”, e se não colar vem a 2ª via: “ tô a pedir para o chapa (carrinhas Toyota apinhadas de pessoal que servem de autocarro), para poder ir para casa”. No início, com certeza que conseguiam ter a minha esmola para, ou poderem comer ou poderem apanhar o chapa, mas rapidamente mudei de atitude, ao aperceber-me da realidade. É que depois de dar a 1ª vez, eles nunca mais nos largam, e como se isso não bastasse, multiplicam-se por “mil”. Apenas dois grupos etários continuam a fazer-me confusão, e assim, continuam a beneficiar da minha solidariedade, que são os idosos e as crianças. A minha táctica começou a ser olhar em frente e não para a cara de quem me aborda para não cair na tentação de dar alguma coisa por pena, mas quando nos deparámos às 23h30m com 5 miúdos a tentarem vender amendoins e se cai no erro de olhá-los nos olhos, ou temos uma velhota com os seios todos à mostra por a camisa estar apenas suportada por alguns fios de tecido, entramos num ponto sem retorno e temos de dar alguma esmola, nem que seja para nos sentirmos bem com nós próprios. É que em relação aos miúdos, normalmente a esmola não é para eles, mas sim para quem os manda pedir (pais, irmãos, familiares), que normalmente os estão a controlar ao dobrar da esquina. Agora a nossa táctica relativamente aos demais: “ Nada, nada”, “Tas a perder o teu tempo!!!”, “Isso é mm feio, como é que consegues vender essa porcaria. Há quem compre?”. LOL Esta última pergunta é de evitar pois corre-se o risco de mais um sermão de meia hora.
Mas penso que a questão mais grave é a do lixo. Um quadro que se vê frequentemente, é o de ver pessoas a remexer no lixo nauseabundo para tentarem aproveitar algo para comer…Sinistro!!! E o governo diz que o lixo se amontoa de dia para dia pois só há verbas para recolher 40% deste. Outras opiniões dizem que este amontoar, também serve para sensibilizar a Uniceff, ONG´s e a Ajuda Internacional, que ao visitar Maputo, e ao deparar-se com esta realidade, libertam mais verbas para o país…Malabaristas!
Outro dos problemas piores e que já referi, é a própria mentalidade dos conterrâneos, e que não parece haver vontade de mudar, com a excepção de uma ínfima parcela deles. Assim passo a contar uma história: “Certa noite, estávamos nós a jantar no restaurante ao lado do nosso prédio, quando começamos a ouvir tudo aos berros e a discutir na nossa entrada. Seguranças com seguranças. Eram os porteiros do nosso prédio a triparem uns com os outros. O que é que se passou…Estavam dois deles a jogar damas como habitualmente, num tabuleiro de cartão manufacturado por eles e com caricas a fazer de peças, quando se chateiam por causa de uma jogada, e foi assim que o caldo entornou. Levantaram-se, e desatam a pedir justificações um ao outro, até que um chega mesmo a vias de facto, e dá um banano ao outro. Decidem ir para as traseiras do prédio acabar o que tinham começado, até que o mesmo leva outro testo, e como a murro pelos vistos não ia lá, saca arma de fogo e baleia o outro na perna (dizem eles que foi na perna). Mega confusão por causa de um jogo de Damas. Depois chegou a polícia, levou o baleado e o agressor, e ficou tudo em sossego outra vez. É que aqui a vida vale muito pouco, e bate tudo um bocado (a favor) mal dos cornos. Os seguranças são na maioria ex-combatentes da guerra, cheios de mazelas psíquicas, com Kalashes e Caçadeiras de canos serrados na mão que funcionam perfeitamente como ficou demonstrado, ao contrário do que nos diziam(que as armas nem balas tinham, eram só para impor respeito). Outra história altamente, relativa ao nosso prédio, são os elevadores. Eram 3 e agora só resta 1, num prédio de 20 andares. Imagine-se o desgaste que este sofre de dia para dia. Os outros dois tiveram um final infeliz: Caíram!!! Imaginem o medo que é entrar naquele cubículo, e subir ou descer até ou desde o 12º andar que é o nosso piso.
Já apanhei uns poucos sustos, mais propriamente dois. Um, do 2º para o 3º andar em que o elevador parou 3 vezes entre estes pisos, e outro do 6º para o 7º em que soluçou aí umas 2 vezes, que resultou naquela sensação de quando se anda de montanha russa e nos dá aquela impressão na barriga/estômago. Depois de estes sustos resolvi passar a ir de escadas, mas ao fim de 2 dias de desgaste físico, pelas 2 a 3 subidas e descidas diárias, voltei a passar a arriscar a vida, e a embarcar novamente na subida infernal.

Embora choque a realidade em que a maioria da população vive, temos de encarar estes problemas na desportiva e da forma mais positiva possível, falando com os vendedores, deixar ir na cantiga, e aproveitar para rir um bocado. E acima de tudo, ter noção que os pedintes, na sua grande maioria, pedem porque é aquilo que sabem fazer, e se pudessem trabalhar, muitos deles preferiam continuar a pedir. Dá menos trabalho, palavra a que a maioria dos locais tem alergia.

Mas a 1ª impressão muda rapidamente à medida que nos começamos a habituar a viver neste ambiente, e que começamos a conhecer o que a cidade oferece de melhor… Há spots muito porreiros para fazer todo o tipo de lazer, como cafés, bares, disco-nights, sítios pra ver e jogar futebol, ginásios, parques…. Há as pessoas que se vão conhecendo, e invariavelmente são 5 estrelas, talvez pela cumplicidade de nos encontrarmos todos na mesma situação, e pelo gosto de receber pessoas que se assemelham a elas, neste confim do mundo…. Há jantaradas regularmente, e andamos normalmente pelos mesmos sítios. Nos fins-de-semana viajamos muitas vezes juntos para sítios que têm de ser visitados. Cheguei a uma questão importante, os sagrados FINS DE SEMANA!!! Estes são um aspecto imprescindível para alguém que se encontre numa situação de estadia de longo prazo em Maputo. Porquê? Porque é necessário sair daqui com alguma frequência, para espairecer da realidade, mas acima de tudo porque é obrigatório e viciante conhecer novos sítios, como os que há à nossa disposição, e aqui tão perto. Estes são tão diferentes uns dos outros, com uma diversidade tal, que em nada desiludem em comparação com anteriormente visitado. Passo a fazer uma descrição resumida: estou aqui, fez um mês dia 24 de Março, e apenas passei um fim-de-semana em Maputo.
No 1º Fim de Semana fui para o Bilene. Fica a norte de Maputo, e só de barco dá para ir para o Lodge onde ficámos hospedados. Primeira vez que tomei banho no Índico;
2º Fim-de-semana fiquei por Maputo a conhecer a cidade e a noite;
3º Fim-de-semana fui para a Ponta do Ouro. Que spot incrível. Lindo,Lindo,Lindo….
4º Fim-de-semana fui para a Reserva especial de elefantes. Que demais. Aquilo por que mais ansiava. Wild Life no seu melhor!!!
5º Fim-de-Semana fui para a Swazilândia, que dizem ser a Suíça de cá…e embora nunca tenha ido à Suiça, concordo completamente com a comparação. Parece a terra da Heidi, com os prados verdejantes que se perdem no horizonte..

E as fotos, apesar de estarem incríveis deixam muito a desejar, pois estar perante aquela realidade, em nada corresponde a ver uma foto estática. Mas sempre dá para ter uma ideia.
Mas apesar de tudo, ao fim de algum tempo, + ou – 1 mês, começo a gostar até da cidade. O movimento, os chapas, os vendedores, o meltingpot constítuido por todas as cores, raças, culturas e religiões, são coisas que se observam diariamente e nos alargam horizontes, mas ao mesmo tempo nos interrogam acerca de algumas das teorias preconcebidas com que crescemos e vivemos na nossa “aldeia”.
Outra das coisas mais magníficas, a que cada vez dou mais valor, é o espírito das pessoas e a alegria com que vivem o dia a dia, apesar das adversidades com que se deparam constantemente. Não lhes retiro os defeitos referidos anteriormente, mas tenho de lhes tirar o chapéu relativamente à felicidade que os acompanha no dia a dia. A noite é divertidíssima, toda a gente dança, sejam homens ou mulheres, há bandas ao vivo em muitos bares, e ouvem-se bastantes estilos de música diferentes. Há o Gil Vicente em que se pode ouvir Rock, Soul, Funck; há o Lounge onde se houve chill-out num ambiente com bastante nível; há o CocoNuts que é 1ª das discotecas onde se ouve desde o hip-hop até house(mt fracote), até à passada (dança Moçambicana); há o África com música ao vivo que bomba à 5ª feira; há o Chez Rangel, onde há espectáculos ao vivo e danças tribais, e fica na estação de comboios desenhada pelo Eifel. Como podem ver, há uma variedade de spots bastante significativa onde se pode ir, e ainda faltam bastantes mais que ainda tenho de conhecer.


Falando do último tema: Trabalho e Actividade Profissional!!!
Estou a ter uma experiência muito boa aqui na Plural Editores. Estou a exercer todas as funções possíveis imaginárias, isto é, tenho de fazer de tudo um pouco. É que aqui, as nossas aptidões para o “desenrasca” aumentam exponencialmente, muito por causa das burocracias existentes, e por causa da corrupção que mina tudo, um bocado por todo lado.
No início, é um bocado difícil habituarmo-nos a esta filosofia pela qual se rege o país, mas com o tempo (que cura tudo, como se diz), vamos conseguindo lidar e contornar estes problemas. Mas é bom estar numa empresa em que as pessoas mostram ter competência, estar motivadas, e acima de tudo serem de confiança, ao contrário das empresas dos meus colegas do contacto que não tiveram essa sorte.


Está feito desta forma, um resumo de como tem sido a minha estadia cá pelas Africas. As saudades são grandes, algumas adversidades também, mas a experiência que estou a ter é sem dúvida recompensante. Pesando numa balança, os prós em muito têm ultrapassado os contras.

Beijo grande e um forte abraço, para as meninas e para os meninos, respectivamente, deste TugóMoçambicano:
Miguel Trindade (sempre em espírito);-)